sábado, 27 de julho de 2013

Paixonite Agúda

       O médico adentrou a sala. Aparentava meia idade, possuia um ar rabujento. Sentou-se em sua cadeira, mal olhou para seu paciente e começou a rabiscar uma folha. O rapaz, o paciente tão "paciente", esperou que este terminasse o seu dever (ou distração, não sabia ao certo) e olhasse para ele. Até que, depois de um certo tempo e soltando um bufar irritadiço, o doutor se dispôs a perguntar:
    - E então? O que você tem?
    - Seria mais fácil perguntar o que eu não tenho, doutor. - Respondeu prontamente o jovem, completando com uma careta de dor.
    O médico coçou as têmporas, nervoso.
    - Comece então me contando o que exatamente você sente... dessa vez.
    - Nunca fui de sentir isso. Mas, sabe, está se repetindo... São os mesmos sintomas do outro dia, doutor! Taquicardia. Minha boca está extremamente seca, por mais que eu beba água. Minhas mãos estão tremendo e suando, e tem também aquela sensação estranha na barriga. Quase como...
    - "...Quase como borboletas no estômago." - Continou o médico, revirando os olhos. - Olha, da primeira vez que você veio aqui, eu te receitei um calmante leve, pois pensei ser uma crise de nervosismo comum e nada mais. Mas, contando com essa sendo a quinta vez... Não é normal.
    A expressão de dor do rapaz se tranformou em desespero. Mas que merda era tudo isso?
    - O que eu tenho, doutor?! Estou muito doente? EU VOU MORRER, É ISSO?! - Vociferou com lágrimas nos olhos, levantando-se da cadeira e andando de um lado a outro pela sala.
    O médico suspirou, olhando sério para o rapaz. Anos de estudo. Depois, anos de residência... Pós graduação, mais outros estudos em especializações... Para ter que lidar com dramalhões como esse, digno de uma novela mexicana. Mas enfim, os ossos do ofício nunca são tão fáceis.
    - Vou ser direto com você rapaz... Andei analisando seu caso, e o que você tem é grave, sim. Ou não. Tudo depende da situação da outra pessoa em relação a você. - Disse o médico, com um sorrisinho de deboche. - O que você tem é uma "paixonite agúda".
    - Isso... Isso quer dizer que...
    - Sim, você está apaixonado.
    - MAS É CLARO QUE NÃO!
    - O primeiro passo é sempre a negação... - Prosseguiu o doutor, completando com um demorado bocejo.
    - Então... o que devo fazer?
    O doutor parou. Por essa não esperava. Pensou. Não era um perito em paixonites. Pelo contrário, ele mesmo teve apenas uma, que acabou em um casamento maçante, divórcio e uma pensão gorda (que, logicamente, não foi para ele). Então, o que diria para aquela pobre criatura sem noção?
    - Ah... bem... - Suspirou.- Chame-a para sair, oras! E tenho certeza que vou me arrepender disso depois, mas... Daqui alguns dias, volte aqui e me conte como foi.

                                                                       -

    Nove horas da noite. Finalmente, havia acabado o seu plantão. O pobre funcionário da saúde pública chegou em casa, tirou os sapatos e se jogou no sofá. Fora um dia cheio, lotado de pacientes... Lembrou-se daquele rapaz que atendeu a tarde, o da paixonite. Quase riu. Apesar de todo o estresse, tinha que admitir, aquele episódio o havia tirado um pouco da rotina tediosa. Foi até a geladeira, pegar um cerveja. Viu um bilhete deixado por sua filha, sua amada filha, a única parte boa que restou de seu casamento fracassado. Dizia que havia saído para tomar um sorvete com um amigo e logo voltava. "Um amigo". Franziu o cenho. Era um pai ciumento, e sabia bem disso.
    De súbito, a campainha de casa tocou. Foi preguiçosamente atendê-la. E... QUAL não foi a sua surpresa ao abrir a porta?
    Sua filha, de mãos dadas com o rapaz da paixonite.

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