sexta-feira, 18 de julho de 2014

Claustrofobia

         Acordei numa bela manhã de segunda-feira (se é que existe alguma beleza nesse dia maldito...), a dor de cabeça causada pelos excessos da noite anterior ainda pulsando. Ah, a ressaca, velha conhecida. Mas não havia arrependimento algum. Percebe-se que a noite foi boa quando a ressaca aparece, realmente.

        Liguei para o meu sócio, R. Afinal de contas, com ressaca ou sem ressaca, era um homem de negócios. Eram 9:00 e tinha uma reunião as 10 (confirmada), não poderia me atrasar. Pois então, vesti meu melhor terno, calcei meus sapatos importados, coloquei meu rolex de ouro no pulso, terminei de me arrumar e me olhei no espelho. Sorri, satisfeito comigo mesmo. Nem parecia que havia bebido tanto na noite passada. Iríamos fechar um grande negócio com uma empresa de renome hoje, e eu, como representante de nossos interesses, deveria estar elegante e impecável. Manter a classe, a pose, sempre.

        Lógico, mal sabiam eles a máscara que eu usava. Enquanto sorria e apertava as mãos daqueles desgraçados naquelas reuniões repletas de falsidade, só queria que eles se fodessem em suas mansões na França ou na puta que os pariu, e que aquele circo acabasse logo, pra poder me enfiar no primeiro clube de strippers que encontrasse. Odiava todos eles, até mesmo meus sócios (incluindo R.). O que me importava era a grana deles. Boa apresentação e simpatia eram pontes pra chegar até o meu objetivo final. Era tudo uma questão de... viver um personagem. E, diga-se de passagem, eu era um excelente ator.

        Depois de ter pego meu táxi de sempre, cheguei até o enorme prédio. Entrei, sorri e acenei a todos os bastardos que encontrei no caminho, e me encaminhei até a recepção. A recepcionista, loira com as raízes mal retocadas, tinha um sorriso forçado de dar dó. Parecia que o simples ato de sorrir lhe era doloroso.
- Bom dia, querida. Tenho uma reunião marcada com os representantes da empresa Stoner.
- Oh sim, bom dia, senhor S. Eles o aguardam no décimo primeiro andar, bloco 1, sala 7.
Dei uma piscadinha em agradecimento e me dirigi até o elevador mais próximo. Fiquei feliz em sair da presença daquela infeliz. Não precisou que eu apertasse o botão para chamar o elevador, lá estava ele... As portas se abriram e entrei. Olhei no meu caríssimo relógio. Vinte e cinco minutos para o início. Além de competente e elegante, eu era extremamente pontual.

       Estava tão absorto em pensamentos, que só então reparei... Não estava sozinho naquele elevador. Havia uma figura encapuzada ao meu lado. Parecia uma mulher franzina, ou uma criança, não sei dizer ao certo, leitor. Não via seu rosto. Só sabia de uma coisa: aquela figura não me agradou em nada. Aparentava fragilidade, e ao mesmo tempo era assustadora. O capuz preto da jaqueta moletom, a calça jeans e os tênis - cada pé com uma cor diferente -; tudo extremamente surrado e sujo. E fedia. Pelo céus, aquele ser, seja o que fosse, fedia como o inferno.

       Me afastei até o outro canto do elevador, até onde a distância era possível, com expressão de asco. A tal pessoa encapuzada nem sequer esboçou uma reação. Ficamos alí em silêncio, eu me perguntando como raios um prédio comercial daquele porte e classe permitira a entrada... daquilo. Até que, de súbito, o elevador deu um tranco, as luzes se apagaram e acederam e ele parou. É. Aquela porra de elevador parou!

       Imediatamente, apertei o botão de emergência. Nada, nem uma luzinha se acendeu pra indicar que a emergência foi acionada. Apertei mais uma, duas, três vezes. Nada, nada, nada! Comecei a suar. Merda. Num acesso de fúria, bati em todos os botões do painel. Como era de se esperar, nada ainda.

       Comecei a tremer. Um arrepio percorria meu corpo, da cabeça aos pés. Não queria ficar preso ali, não queria, não podia! Pensamentos desesperadores começaram a inundar minha mente: e se só nos achassem naquele local dias depois? E se o elevador (que havia parado no 7º andar) despencasse, podendo nos matar com o impacto? Tive vontade de gritar. Então, de súbito, lembrei da criatura a minha direita. Olhei pra ele (ou seria ela?), e para meu espanto, ainda se encontrava na mesma posição. Somente o peito, subindo e descendo ligeiramente numa respiração calma. Aquilo me deixou puto.

- EI, CARA! Tá dormindo, por um acaso? Estamos presos nessa joça!
Silêncio. Nem mesmo sua cabeça fez menção de se virar pra mim.
- Desgraçado, converse comigo! Não vê que estou entrando em desespero? Está gozando com a minha cara, é isso? Isso tudo é uma pegadinha, É ISSO?
Novamente, nada. Porra, isso era inacreditável. Minha respiração já ofegava de medo. Quando reparei, já estava chorando. Pensei que iria ter um ataque, ali mesmo. Me aproximei mais daquele ser. O fedor já não mais me incomodava.
- Seu filho da puta, me ajude, por favor! Você por um acaso é a porra de um bonec... - Toquei seu ombro, e de súbito ele olhou pra mim. Ou melhor dizendo, ela. Não pude terminar minha frase devido ao que vi...

       O horror daquela face era indizível. Putrefação, decomposição. Só consigo dizer que não haviam olhos naquele rosto, apenas dois buracos negros. Da carne podre onde deveria ser a pele de uma mulher jovem, saíam vermes. A carne pendia, caia.

       E aquela coisa (aquele mulher, morta ou o que for)... sorria!
       AQUILO SORRIA PRA MIM.

       Então, aconteceu. As paredes começaram a se mover, girar e girar e girar. Minhas pernas amoleceram. Senti a consciência me deixando aos poucos, como num sonho.

       Não sei por quanto tempo fiquei desmaiado. Sei apenas o que me contaram, depois que acordei no hospital. Disseram-me que os bombeiros haviam me achado naquele elevador depois de duas horas, e... bom, eu estava sozinho.

       Não havia mais ninguém ali.