domingo, 28 de abril de 2013

Véu do Tempo


       Gritou.

       Seus lamentos ecoaram pelo grande salão. Jogou o espelho ao longe. O que vira destruiu sua alma, que antes já era podre. Um rosto horrendamente enrugado e retorcido numa careta permante de dor a fitara. "Não é possível", gritou. "Essa coisa não sou eu!"
Sua pele, lisa como uma pêra, havia se transformado do dia para a noite, literalmente. Acordara naquela manhã de sábado, em sua bela mansão, e estava assim. Seus lábios, antes sedosos e rosados, que muitos haviam seduzido, eram agora secos e hediondos. Seus olhos, grandes e brilhantes, eram agora duas grutas fundas e sem vida. Seus cabelos, que emolduravam sua face em enormes cachos dourados, já não passavam de meros fios brancos e ralos. Passara sua vida cuidando de sua jovialidade, de sua beleza tão admirada e, até então, intocada pelo tempo. Desperdiçara os simples e sublimes encantos das fases de sua existência, concentrando-se unicamente na vaidade, no grande ego que alimentava e que crescia cada vez mais. Pois então, sua vida não fazia mais sentido.
        Depois de quase sessenta anos se divertindo com sua podridão tão humanamente tola, o Tempo cansou-se de brincar, e a apunhalou. Ela, por fim, deixou loucura e ódio transparecerem. Finalmente, a casca refletia a alma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário